Allfabetização

Este postal é - creio - uma fotografia retirada dum dos dois filmes que há dias vi sobre as campanhas de alfabetização, as tais em que eu gostaria de ter participado em Agosto último se ... Esta cena do filme era comovente: uma mulher que até aí não sabia comunicar por escrito, conseguir fazê-lo. A procura das sílabas, o gesto hesitante, o voltar atrás para corrigir ou desenhar melhor a letra !!! Deve ser bestial um tipo descobrir que sabe ler, não achas? (1974)

Escrevivendo e Photoandando

No verão de 1996 resolvi não ir de férias. Não tinha companhia nem dinheiro e não me apetecia ir para o Mindelo. "Fechado" em Setúbal, resolvi escrever um livro de viagens a partir dos meus postais ilustrados que reavera, escritos sobretudo para casa em Luanda ou para a mãe do Rui e da Susana. Finda esta tarefa, o tempo ainda disponível levou me a ler as cartas que reavera [à família] ou estavam em computador e rascunhos ou "abandonos" de outras para recolher mais material, quer para o livro de viagens, quer para outros, com diferente temática.

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Depois, qual trabalho de Sísifo ou pena de Prometeu, a tarefa foi-se desenvolvendo, pois havia terras onde estivera e que não figuravam na minha produção epistolar. Vai daí, passei a pente fino as minhas fotografias e vários recorte, folhetos e livros de "viagens", para relembrar e assim escrever novas notas. Deste modo o meu "livro" foi crescendo, página sobre página. Pelas minhas fotografias descobri terras onde estivera e juraria a pés juntos que não, mas doutras apenas o nome figura na minha memória; o nome e nada mais. Disso dou por vezes conta nas linhas seguintes.

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Mas não tendo sido os deuses do Olimpo a impor me este trabalho, é chegada a hora de lhe por termo. Doutras viagens darão conta edições refundidas ou novos livros, se para tal houver tempo e paciência.

VN

sexta-feira, 15 de março de 2024

Está pois um dia gélido, cinzentonho


Foto victor nogueira - Manhã de nevoeeiro, em Setúbal (IMG_4247 2024 03 08)

* Victor Nogueira 

Está pois um dia gélido, cinzentonho. Semelhante a outros no Mindelo. Mas porque parecem diferentes, se iguais são na essência? 

Talvez seja o efeito duma persistência da(s) memória(s), da(s) sensações diferenciadas entre o nevoeiro e neblina do Norte e o céu límpido e azul de Lisboa e Setúbal, mediterânicas, entre o cinzento, duro e pesadamente granítico do Norte e a branca leveza do casario de Lisboa e Setúbal, calcáreas e argilosas!  

Talvez a mesma persistência da memória que tantas décadas decorridas  ainda faça que julgue cálidos ou quentes os soalheiros dias de sol no inverno, como se em Luanda estivesse, na estação quente, pura ilusão, pois ao chegar à rua o que encontro são muitas vezes dias gélidos. Trespassantemente gélidos, como o de hoje, não límpido, não cintilante, não azul, sem mais ou menos caprichosas núvens brancas, como flocos de algodão, que ajudam os entendidos a prever o tempo.

Está pois o dia cinzentonho, tristonho, chuviscoso. Vistas do cimo desta torre no alto duma encosta, lá em baixo, na avenida, nas ruas, no parque verde, os caminhos são como que espelhos de água, cintilante, sem transeuntes, as esplanadas e os bancos vazios de pessoas. 

Tudo é silêncio, cobrindo-se crescentemente de verde os  ramos das árvores de folha caduca, no  inverno descarnados, esquálidos.

As gaivotas e os pombos recolheram-se, salvo uma, esbranquiçada, que há pouco, vagarosamente cruzava os ares, como espaçado e lento é o trânsito automóvel, lá ao fundo, na avenida; um carro, um autocarro, um automóvel, outro carro ...

O céu está pois uniformemente vestido de cinza, nestes dias finais de inverno, uma brisa gélida e finamente trespassante, no rosto e nas mãos, se assomo à janela ou à varanda.  Palmela, no horizonte, para norte, é uma imprecisa mancha mais escura! Mal  se vislumbra e distingue, mas a minha memória diz-me que está lá. Como para Sul já não se encontram as esguias e altas chaminés da implodida central termo-eléctrica de Setúbal, na Península da Mitrena, que eram uma outra marca distintiva no vasto horizonte que daqui avisto.

 

quinta-feira, 14 de março de 2024

Escritos em 2009

 


Quando eu morrer e em vida vou vegetando, não voltarei.Carrego um pouco de outrens, deixando pegadas no solo e levando pó nos sapatos! 22. Nov, 2009

Cartaz do filme O Sétimo Selo (Det sjunde inseglet), de Ingmar Bergman,  um dos filmes e realizadores da minha vida ~~~~  Se quiser, pode ver o filme legendado em português em http://www.youtube.com/watch?v=nzJ1I-Bj3Dg


* Victor Nogueira

 Não fossem os registos e a memória perder-se-ia ou seria "retocada". Mas manter os escritos em suporte digital é torná-los mais frágeis e contingentes do que se o fizéssemos em papel, papiro ou pergaminho. Mas os textos que foram registados em  programas de processamento de texto  "comerciais" deixam de ser abertos e "lidos" por versões anteriores. Para  além de exigirem um "suporte" intermédio que facilite a sua "visão" - seja computador, notepad, ipad ou o que se lhe seguir. Alguém se lembra do spectrum ? Ou das disquetes de 5" 3/4 que armazenavam fabulosos 160/320 KB e dos pc's com extravagantes 50 MB de capacidade de armazenamento ? Que computadores lêem hoje as disquetes ou  as zip-drives de armazenamento com capacidade de 100 ou 750 MB ? "Monos", ali numa gaveta, como os filmes e programas registados em betamax ou em vhs !

Durante uns quinze anos mantive uma intensa correspondência com a família e amizades, de que recuperei apenas a que escrevi para casa, em Luanda,  ou  para o Porto e Lisboa, para além da que a Celeste me deixou - a minha para ela - após o divórcio.Outra de anos com uma amiga minha perdeu-se, pois há uns anos qd lhe perguntei se ainda a tinha e se ma emprestava tive como resposta que resolvera rasgar todos os papéis pessoais porque não queria que fossem lidos por outrem após a sua morte. E assim se perderam anos das minhas notas sobre évora, o instituto e a vida ! Mas disse-me que eu poderia publicar as que me escrevera, que guardei e considero, acima de tudo, textos duma enorme beleza literária. 

A única vantagem da digitalização da minhas biblioteca e dos meus escritos e dossiers seria ocuparem menos espaço: em vez de mais de duas centenas de metros que totalizam dezenas de prateleira cheias muitas em duas filas teria uma dúzia de DVD's.

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 2009.12.19

Sim, que escrever? Escrever porquê e para quem? Interessa escrever sem «feed-back»? Quem me lê, se eu já não tenho tempo para ler os blogs «amigos»? Na Contabilidade do deve-haver, o meu saldo é negativo e a moeda de troca é a mesma - nada! E como a caixa nunca pode ter saldo negativo, enchêmo-la de ... letras, melhor ou pior avalizadas

Escrever é «gastar» tempo e tempo é dinheiro, numa sociedade onde tudo é a contado para uns e a descontado para a maioria. Sem cobertura, contabilisticamente falando, a falência e o arresto são quase certos. Para que tal não suceda é preciso ter cobertura, sobretudo em paraísos fiscais e na hermética Suiça.

Sim, que isto da contabilidade tem que se diga: Por falta de preparação no Liceu, a malta em Economia tinha dois anos de Propedêutica Comercial e em Évora dois de Contabilidade Geral. Ao professor desta devia fazer-lhe espécie num curso superior estar a ensinar bê-à-bá da contabilidade de qualquer escola comercial, pelo que no 1º ano tínhamos de gramar em Contabilidade I a chatérrima teorização acerca da ... fiosofia da contabilidade ! Um pouco como o Direito Comercial, em que o 1º semestre era dado a discutir as várias interpretações do artº 2º, que definia o que era um acto comercial. Farto de tanta discussão e teoria, um dia perguntei ao Sertório, o professor, porque não revogava o Governo o tal artº 2º, escrevendo um outro de fácil interpretação. Santa ingenuidade a minha, que recebi como resposta que se assim não fosse de que viveriam os advogados e jurisconsultos?

Pelo que registo que ontem choveu e o dia esteve cinzento, enquanto hoje esteve cheio de sol com céu azul e brilhante.

Das minhas apreciações políticas darei contas no Mu(n)do Phonographo.

 

E «prontus», a escrita está em dia! Daqui a pouco será um novo dia, o dia do Senhor!.

E graças à Judite, termino com um ar de erudição:

Amicus certus in re incerta cernitur (.Latim)

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2009.12.16

Para não variar começo falando do tempo: de 6ª a 2ª feiras estiveram dias de sol, luminosos. 6ª fui às compras com o Rui, ao Jumbo, que estava praticamente vazio, sem as enchentes de outros anos em época natalícia. Bem pode o Governo dizer que estamos em deflacção, com malabarismos estatísticos, que as bolsas dementem-no e a prenda para muitos é o desemprego.

Já é noite de novo. Ando deprimido e sem vontade de sair ou de estar com as pessoas. Passei o fim de semana a dormir ou a ler, quer papel, quer no monitor. Ou a dormir, agora que desde 2ª feira veio uma onda de frio. tendo já chovido hoje.

Cada vez se utilizam mais palavras em inglês por causa da informática. Muitos programas têm nomes ridículos mas em português parecem sonantes:

software=programas de informática mouse=rato link=hiper-ligação drive=compartimento windows=janelas access=acesso works=palavras paint shop = loja de pintura paint brush= pincel de pintura file=ficheiro note pad = bloco de notas ou de apontamentos browser=navegador firewall = Barreira/muro de fogo spam = lixo electrónico e-mail = correio electrónico firefox = raposa de fogo etc

Ao jantar era para cozinhar entrecosto de porco estufado com massa, ervilhas e pimentos, mas como já tinha costeletas descongeladas estas substituíram aquelas no domingo, fritas e com ovos estrelados. Como não me apetecia cozinhar, na 2ª à noite trouxe do pronto-a-comer empadão de carne e carne de porco à portuguesa.  

De noite noite arrefece muito e tenho de na cama substituir a colcha por um edredão. Hoje o dia esteve frio e tempo de chuva, cinzento. As gaivotas esvoaçam para lá da janela. Há um ditado/provérbio português que diz "Gaivotas em terra, tempestade no mar».

Também ontem passei pela livraria Culsete, para comprar o livro do Medeiros, que o autografou, e nos intervalos cavaqueámos, ficando a saber onde ainda existem ninhos de andorinhas em Setúbal, donde praticamente desapareceram desde há anos com o seu chilrear na Primavera. O Medeiros é uma figura típica, sempre com o chapéu que nunca tira e o cachecol ao pescoço.

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2009.12.21

Mais um Domingo, menos um dia na jornada! Mais um dia de inutilidade. Outrora teria saído, agora não. E bem sei que a justificação é apenas isso, uma justificação: o tempo cinzento, frio, chuvoso. Está nortada e sei porque a chuva bate nas vidraças deixando pequenas gotículas que mal escorrem. E porque na varanda da cozinha, onde não pus vidros duplos, o ar que entra pelos interstícios das janelas de correr é uma lâmina gelidamente cortante.

Às 16:00 a estação meteorológica caseira indicava 15º C dentro de casa. Lá fora, para lá da janela, as gaivotas esvoaçavam ou planavam graciosamente, mas não me apeteceu tentar fotografá-las. Quanto às nossas irmãs plantas, aquelas que necessitam de cuidados especiais, estão moribundas: o bonzai, a hera ... Bem, esta terá recobrado quando a coloquei na varanda do lado onde o sol não bate directamente e resguardada por um vaso maior. Quanto ao feto, rejuvenesceu, quando o tirei da sala e o coloquei na varanda, ao abrigo do vento! Quanto ao resto, são plantas xerófilas. Mas nada que chegue às dezenas de variedades de cactos e de malvas ou sardinheiras que tínhamos em Évora no amplo terraço como se fora um quintal num 2º andar adjacente à cozinha.

Gosto de jardinagem, de animais e de aquários. Mas os dois primeiros não dão para espairecer em minúscula varanda e quanto aos aquários, dão muito trabalho, embora seja repousante ver as evoluções dos peixes. E animais só em casa com quintal.

Continuo as minhas leituras - agora de António Brito «O céu não pode esperar» um romance histórico. Continuei na faina de alimentar os meus blogs e hoje dediquei-me a pesquisar por Manfred Gregor, descobrindo vídeos sobre o filme «A Ponte», realizado por Bernhard Wicki (1959) Também re-descobri Mário Castrim e Alice Vieira e pesquisei por outro Mário, o Crespo e suas crónicas

E com esta termino estas linhas.

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 A ponte -o filme e o livro




http://content.time.com/time/magazine/article/0,9171,939797,00.html

 

sobre Alice Vieira

http://www.publico.pt/temas/jornal/so-gosto-da-minha-vida--a-partir-dos-20-e-tal-anos-18421991

sobre Mário Castrim

http://daliedaqui.blogspot.pt/2009/12/mario-castrim-1920-2002.html

 Maria Rodrigues

Obrigado Victor pela partilha,gostei muito,lindo é um grande escritor (Y)
10 ano(s)
Luisa Neves
Boa tarde Amigo Victor! Gostei imenso. Abraço e um sorridente fim de semana. 😉 😘
10 ano(s)
Laura Rijo
Boa noite Victor, obrigada pela partilha. Bom fim de semana. Beijinho
10 ano(s)
Carlos Rodrigues
Grandes clássicos, Vitor, cinema a sério ( não falando dos teus Diários, claro, outra preciosidade. Obrigado, um abraço.
10 ano(s)
Belaminda Silva
Boa noite camarada Victor. Gostei muito mesmo!!! Obrigada pela partilha e sempre carinho...Desejo-te uma noite bem serena e um excelente fim de semana. Beijinho ❤
10 ano(s)
Maria João De Sousa
🙂 Cá estou a tentar ler-te através da minha "raposa de fogo" 🙂 Em termos contabilísticos, também o meu saldo é altamente negativo... tem alguns prós e muitos contras, esta coisa de escrevermos online, sem dúvida! Quanto ao Sétimo Selo, não o vi, infelizmente... abraço!
10 ano(s)


quarta-feira, 13 de março de 2024

Questionário sobre o antes e depois do 25 de Abril de 1974

 



Francisco Gabriel / Victor Nogueira


1-Onde estavas na altura do 25 de abril?

Estava em Évora, concluindo o curso de Sociologia.

2-Quem eras na altura?

Estudante e dirigente no Movimento Associativo Estudantil Universitário

 

3-Como era Portugal antes do 25 de abril?

Em 1932, em todos os manuais de leitura estava incluída a seguinte frase: “Na família, o chefe é o pai; na escola, o chefe é o mestre; na igreja, o chefe é o padre; na Nação, o chefe é o governo.”

 

Era uma sociedade cinzenta e repressiva, com muita desigualdade social, controlada pelos Serviços de Censura e vigiada pela PIDE (polícia política) e a sua rede de informadores. Eram limitados os direitos de reunião, de manifestação, de associação e fraudulentos os processos eleitorais. Grande parte da população vivia em barracas ou habitações insalubres, sem electricidade e água canalizada ao domicílio, especialmente a que vivia em bairros de lata ou no campo. A censura controlava a informação na imprensa escrita e audiovisual, proibindo tudo o que pusesse em causa  Governo e o sistema. Os partidos políticos eram proibidos e os seus militantes perseguido, presos e torturados, por vezes mesmo assassinados, pela polícia política e outras forças policiais.  Os sindicatos eram controlados pela polícia política e as greves proibidas. A  entrada na Administração Pública (Estado)dependia de informação favorável da polícia política e de prestarem juramento que estavam integradas na ordem social vigente e repudiavam activamente todas as ideias subversivas e o comunismo. Era proibida a emigração, mas as pessoas emigravam clandestinamente, a salto, para fugirem à miséria e à guerra colonial. Era proibido dizer mal do Governo e da sua política, contestar a guerra colonial ou defender a independência das colónias; quem o fizesse estava sujeito a ser preso pela polícia política. Havia listas de livros e de filmes proibidos pelas Comissões de Censura.

 

As mulheres tinham menos direitos que os homens e estavam sujeitas à autoridade do marido. Estes podiam proibi-las de terem uma profissão ou de trabalharem fora de casa. O divórcio era proibido para quem tivesse casado pela Igreja Católica, o que era a maioria dos casamentos. Os filhos nascidos fora do casamento, considerados ilegítimos, tinham menos direitos que os filhos  “legítimos”, havendo muita gente cujos documentos de identificação diziam “filho de pai  incógnito”, porque o pai se recusara a reconhecê-los ou perfilhá-los. As relações entre rapazes e raparoigas, especialmente em meios pequenos, eram vigiadas e controladas

O casamento era proibido às mulheres em profissões como hospedeiras da TAP, telefonistas e enfermeiras. As mulheres não podiam seguir as carreiras da magistratura, diplomática, militar e polícia. Mesmo assim, os costumes impediam as mulheres de exerce certas profissões.

oeslAs professoras do ensino primário só podiam casar se autorizadas pelo Ministro da Educação e desde que provassem que o futuro marido tinha rendimentos certos e informação favorável das autoridades administrativas e da polícia política. Nas exolas, sempre que fosso possível, havia separação entre rapazes e raparigas: havia escolas do ensino primário distintas, umas para rapazes, outras para as raparigas, assim como havia Liceus masculinos e liceus femininos.  Quem tinha possibilidades frequentava o Liceu, que permitia tirar um curso universitário. Quem não tinha possibilidades económicas, ficava apenas com a 4ª classe do ensino primário ou tirava im curso tecnico-profissional numa escola industrial ou comercial. Os livros de estudo tinham de ser aprovados pelo Governo e eram o “livro único” no Portugal do Minho a Timor, como então se dizia.

 

Disto falo num poema meu, intitulado “Raízes”

(…) Em Luanda nasci

Em Luanda vivi

Em Luanda estudei

 

Não Angola mas Portugal

Todos os rios e afluentes

Todas as linhas férreas e apeadeiros

Todas as cidades e vilas

Todos os reis e algumas batalhas

as plantas e animais

que não eram do meu país.

 

De Angola

pouco sabiamos

até ao 4 de Fevereiro, até ao 15 de Março

Veio a guerra e

a mentira

que alimenta

a Guerra,

Veio a guerra e a violência

veio a guerra e a liberdade.

 

Em Évora a 11 de Novembro

Em Luanda a bandeira do meu país

no mastro subiu.

Era o tempo da liberdade e da esperança. (…)

 

As pessoas não tinham assistência na doença nem na maternidade, era proibida a interrupção voluntária da gravidez e não havia assistência/acompanhamento durante a gravidez e no parto.  Por esse motivo a  mortalidade infantil era elevada.

Não havia subsídios de invalidez nem para os desempregados nem pensões de reforma para a maioria da população. Pelas ruas, nas esquinas e nos adros das igrejas ou batendo à porta das casas, muitas pessoas, especialmente crianças ou idosos, pediam “uma esmolinha, pela Graça de Deus”. Nas empresas privadas os salários e as pensões de reforma das mulheres eram muito inferiores aos dos homens. Nalgumas profissões os trabalhadores não tinham ordenado, como os empregados de café ou os taxistas, que viviam apenas das gorjetas dos clientes. Aliás, dar uma gorjeta era um hábito generalizado.

Havia uma elevada taxa dez analfabetismo, com maior incidência nas mulheres. Os analfabetos não podiam votar nem serem eleitos.

 

4-Que mudanças sentiste na tua vida, o que é que alterou a nível pessoal?

Foi uma enorme sensação de alívio, por podermos falar e agir sem o receio de sermos perseguidos e presos

 

5-Como era Angola, antes da revolução e independência das colónias?

Para a população branca a situação era similar à de Portugal, embora houvesse mais à-vontade no vestuário feminino e liberdade nas relações entre rapazes e raparigas. Até ao início da guerra colonial a censura e repressão sobre a população branca era menor que em Portugal

A esmagadora maioria da população era negra e não tinha quaisquer direitos políticos, estando sujeita ao “Estatuto do Indigenato”, que só foi abolido após o início da guerra colonial.

Os “indígenas” não podiam frequentar as escolas do ensino primário, salvo a das missões católicas ou protestantes, pelo que a maioria  não sabia ler nem escrever em português. Para terem os mesmos direitos que os brancos tinham de abandonar os costumes tradicionais e fazerem prova de se expressarem correctamente em português, escrito e falado, passando a ser considerados assimilados (o que era uma minoria na população angolana, tal como nas restantes colónias africanas) e poderem então frequentar o ensino técnico-profissional e o liceal.

A maioria dos que terminavam o liceu, qualquer que fosse a etnia, não tinha possibilidades de prosseguir estudos universitários em Portugal (a Metrópole) Até ao início da guerra colonial, em 1961, havia Liceus apenas nalgumas capitais de distrito (Angola era 14 vezes maior que Portugal) e só em 1962  foram criados estudos universitários em Luanda, cursos de medicina, ciências e engenharias, em  Nova Lisboa,  (actual Huambo), cursos de agronomia e veterinária, e em Sá da Bandeira (actual  Lubango), cursos de letras, geografia e pedagogia. Alguns anos mais tarde foi criado em Luanda o curso de economia.

A maioria da população negra, sobretudo nas regiões rurais, estava sujeita ao regime de contrato, na prática ao trabalho forçado, nas explorações agrícolas e nas obras públicas, sem direitos e sujeitas a castigos físicos, sem julgamento prévio, aplicados quer pelas autoridades administrativas, quer pelos patrões. Até ao início da guerra colonial a população negra trabalhadora tinha de ter uma caderneta de trabalho, assinada pelo patrão, sem a qual estava sujeita a ser presa e a trabalhar na estrada (obras públicas). As forças policiais, em busca de elementos subversivos, faziam periodicamente “rusgas” nos musseques, bairros da população negra e de brancos pobres, água ao domicílio ou saneamento básico.  

Não havia regime de apartheid (como na colónia portuguesa de Moçambique e nos países racistas de minoria branca, como as antigas colónias inglesas da Rodésia do Sul e da África do Sul).  Mas existia uma enorme segregação social, que afectava a maioria da população negra, sujeita aos trabalhos mais pesados ou menos gratificantes e mal remunerados.

 

 

6. Alguma história ou curiosidades que possas partilhar

Uma vez, em miúdo, em Luanda, ao atravessar uma rua, fui atropelado por um negro que conduzia uma bicicleta. Nem ele nem eu conseguimos evitar o atropelamento, embora tivéssemos tentado evitá-lo. Considerei então de uma enorme injustiça que ele ele tivesse sido castigado, sem apelo nem agravo, por ter atropelado um “menino branco”.

Quando fui estudar para Évora, habituado à liberdade de convívio entre rapazes e raparigas, em Luanda e na Universidade em Lisboa, “surpreendeu-me” a segregação na convivência entre  rapazes e raparigas. As raparigas e nossas colegas que frequentavam o café connosco, por serem irmãs   ou namoradas dum ou doutro no nosso grupo, ou apenas amigas, eram consideradas pela maioria dos eborenses como raparigas perdidas ou mesmo prostitutas.  Na casa de hóspedes em que vivia, os estudantes e as pessoas empregadas tinham quartos próprios, independentes, mas as raparigas estudantes dormiam no mesmo quarto com a hospedeira, não fosse o diabo tecê-las.

No Instituto [Económico e Social de Évora} onde ia frequentar sociologia, ao entrar pela 1ª vez noma sala de aulas, como a 1ª fila de carteiras estava vaga, sentei-me numa delas. Era obrigatório assistir às aulas, pelo que o contínuo marcava as faltas aos ausentes.  O senhor Veladas abordou-me dizendo que não podia sentar-me na 1ª fila, pelo que mudei de lugar pois, entretanto, entrara o professor. No fim da aula fui ter com ele para me dizer porque não podia sentar-me na 1ª fila, que aliás continuara desocupada. Respondeu-me que a 1ª fila era reservada às meninas.  Perguntando-lhe a razão disso, respondeu.me que as meninas não se podiam sentar no meio dos rapazes, porque podiam fazer coisas que não deviam. Como o meu curso tinha alguns contestatários, de que passei a ser o líder, pouco depois as meninas sentavam-se no meio dos rapazes, não só no nosso curso, como nos restantes!

Uma vez estava no jardim público com a minha namorada Celeste, com quem vim a casar, quando lhe dei um casto e furtivo beijo, logo de seguida sentindo a varinha do guarda, que não vira, batendo-me no ombro e avisando-me que “poucas vergonhas” daquelas não eram permitidas!

 

7-50 anos depois, que conquistas consideras as melhores do 25 de abril?

O fim da guerra colonial e todas, as conquitas então alcançadas com o movimento dos trabalhadores e das populações por melhores condições de vida e de trabalho, apesar de alguns das liberdades, dos direitos e dos nossos sonhos de então ainda se não terem concretizado ou terem sido desvirtuados.

 

8-E se achas que se perdeu algo, ou ficou por fazer?

Apesar dos retrocessos e das insuficiências no mundo do Trabalho, da Justiça, do Ensino, da Saúde, da Segurança Social face a vicissitudes da vida, a luta por uma sociedade mais justa, mais igualitária, mais fraterna e mais solidária mantém-se como necessária à Humanidade, conjuntamente com a luta pela Paz entre os Povos e a resolução pacífica dos conflitos internacionais.

 

9-Uma obra em formato de livro música ou outra arte que represente o 25 de abril?

Não há “uma”. Mas pelo contraste entre o antes e o “agoramente”, na música e poesia “Os vampiros”, “Grândola, Vila Morena” e “Canto Moço”, de José Afonso, “Soneto do Trabalho” e “Portugal ressuscitado”, de Ary dos Santos, “Liberdade”, de Sérgio Godinho, “Pedra filosofal”, de António Gedeão …  Sem esquecer as “Canções Heroicas”, de Fernando Lopes Graça.

Ou os romances “Cerro Maior”, de Manuel da Fonseca, “Levantados do chão”, de José Saramago e “Até amanhã, camaradas”, de Manuel Tiago, pseudónimo de Álvaro Cunhal.  De referir a peça teatral “O Canto do Papão Lusitano”, de Peter Weiss, entre outras.

Na pintura “A poesia está na rua”, de Helena Vieira da Silva, os “Desenhos da prisão”, de Álvaro Cunhal ou os cartoon de João Abel Manta, que retratam os tempos anteriores e posteriores ao 25 de Abril.  

Sobre a colonização portuguesa, os poemas “Monangambé” e “Carta dum contratado”, de António Jacinto, “Meninos do Huambo”, de Rui Monteiro”, poetas angolanos, “Reza Maria”, de José Craveirinha, poeta moçambicano, “Trindade”, de Alda do Espírito Santo, poetisa santomense sobre o massacre de Bafetá. Em prosa são de referir, p. ex., o romance “Maiombe”, de Pepetela, angolano, ou os contos reunidos sob o título “Luuanda”, de Luandino Vieira

 

10 - em conclusão, como explicarias a alguém o 25 de abril?

Como outras revoluções anteriores, no mundo e ao longo dos séculos, o 25 de Abril foi o resultado da luta do povo português e dos povos das colónias pela liberdade e por melhores condições de vida e de trabalho, numa sociedade mais justa, igualitária, fraterna e solidária.

 

Galeria fotográfica

(Se tiveres alguma foto da altura estás a vontade para enviar)

Fotos Victor Nogueira – Mural na Rua António Maria Cardoso (sede da PIDE-DGS)    [Comissão Organizadora das Comemorações Populares do 25 de Abril] - E quatro companheiros nesta rua antes de se render a PIDE matou, tombaram pela liberdade no dia da libertação


Foto Victor Nogueira - Mora, 1975

CAMARADA NÃO TE DEIXES ILUDIR COM FALSOS SOCIALISMOS. SOCIALISMO HÁ SÓ UM, O SOCIALISMO PROLETÁRIO O QUE LIBERTA O HOMEM DA EXPLORAÇÃO DO CAPITALISMO E O CONDUZ AO COMUNISMO. NÃO TE ILUDAS, NEM COM FALSOS SOCIALISMOS NEM COM FALSAS LIBERDADES


Foto Victor Nogueira - Évora 1976 03 12 manifestação dos trabalhadores rurais alentejanos


Foto Victor Nogueira - Évora 1976 03 12 Manifestação dos trabalhadores rurais, pela Reforma Agrária – ‘A terra a quem a trabalha´

Fotos Victor Nogueira – Mural na Rua António Maria Cardoso (sede da PIDE-DGS)    [Comissão Organizadora das Comemorações Populares do 25 de Abril] - E quatro companheiros nesta rua antes de se render a PIDE matou, tombaram pela liberdade no dia da libertação


quarta-feira, 6 de março de 2024

Gabriel Garcia Marquez

 


* Victor Nogueira


6 de março de 2018 ·


Gabriel Garcia Marquez é um dos escritores , que li na totalidade ou quase totalidade e que mistura o “fantástico” nas histórias d(um)a família ou de famílias ao longo do tempo, como em “Cem Anos de Solidão”, ou de personagens individualmente considerados. Neste um pouco ao jeito de John Steinbeck, mais “realista como em as “Vinhas da Ira” ou “A Leste do Paraíso”, mas cujas linhas deliciosas iniciais de “Pastagens do Céu” remetem também um pouco para o mesmo registo de Gabriel Garcia

sábado, 2 de março de 2024

Corto Maltese, de Hugo Pratt

 



10 de dezembro de 2013


 

 Maria Márcia Marques

Procuras no horizonte e nas aves que passam a quietude da tua imaginação ou talvez a vontade de olhares outras paragens de onde saíste um dia......
10 ano(s)
Victor Barroso Nogueira
talvez, Maria Márcia Marques. Mas tb pk gosto das histórias do Corto Maltese para akém doutros "heróis", como o Tenente Blueberry, o Gaston Lagaffe Valerian e Laureline ou os Azuis" LOL
10 ano(s)
Maria Mamede
Muito belo esta imagem que aqui deixas...continuas a surpreender-me Victor. Bjs.e obrigada pela partilha!
10 ano(s)
Maria Conceição Cerdeira
è de que album essa imagem?
10 ano(s)
Ver tradução
Maria Conceição Cerdeira
Nunca fui apreciadora de Corto Maltese, mas de outros herois da BD, o meu irmão era fã e eu não era porque os originais são a preto e branco lol
10 ano(s)
Victor Barroso Nogueira
Não sei se é de algum álbum Maria Conceição Cerdeira Retirei-a da net
10 ano(s)
Maria Conceição Cerdeira
excelente 🙂 na mesma 🙂 bom recordar 🙂


Poesia em 2013 e 2014 março 02

 * Victor Nogueira

2 de março de 2014 
Conteúdo partilhado com: Público
Público
beijos mil
milhões
ponto e vírgula
mas não dois pontos
final par-ágrafo
ponto de exclamação
ou de interrogação
vírgula
sem comas
no ponto de encontro
abraços aos molhos
olhos nos olhos
sem abrolhos
os laços
setúbal 2014.03.02


Foto Victor Nogueira - Aljezur



Eros e Afrodite 02 - gota a gota

* Victor Nogueira

.

gota a gota irrompe o desejo

folha a folha se espraia

cistern'areal

no murmúrio sincopado

entreaberto em mil pétalas

radiante sintonia

de mil candeias

.

bate-bate

rítmica batida

bate-bate

sinfonia cintilante

no rio chão e alteroso

um mar impetuoso

de calmaria

feito

degrau a degrau

arte flamejante

dos meus lábios

e dos teus dedos

rendilhada

e

cartografada

.

Setúbal 2013.03.02